Há muitos anos, uma pequena cidade conheceu uma mulher que, quando chorava, vertia lágrimas nunca antes vistas. Não eram de sangue, como o pranto dos santos. Até porque nada na mulher parecia sagrado. As gotas que rolavam de seus olhos mareados eram, na verdade, extremamente imundas. Fétidas. Putrefatas.
Não se sabia ao certo o que aquela mulher levava dentro de si. Sua figura causava asco nos habitantes da cidade. E, enquanto se formavam filas para tocar a face ensanguentada das imaculadas imagens dos templos, o entorno de sua velha casa foi sendo, aos poucos, despovoado. Naquele raio eram somente ela, a casa e as lágrimas. No resto da cidade, figuras de santos e um mau cheiro ocasional.
A mulher, deve-se saber, não era alheia ao horror que causava nos habitantes. Pelo contrário. Estava certa de que era preciso chorar alto e fazer ecoar soluços mórbidos entre um e outro grito de desesperança. E, quando as lágrimas rolavam, enormes e abundantes, as armazenava em baldes. Carregava-os, então, com os braços franzinos, até a praça principal e, com o rosto ainda encardido, atirava a água para todos os lados.
A cena era sempre a mesma. Depois do choro copioso e do espetáculo bizarro em praça, o cheiro ruim passeava pelas ruas. As pessoas calavam e prendiam a respiração como podiam, ao mesmo tempo em que fingiam nada acontecer. No entanto, eram sempre frustradas as tentativas de se proteger dos respingos. Era difícil alguém se ver livre dos resquícios da chafurda. Quando tudo cessava, embora exauridos, pálidos e enfraquecidos, os moradores retomavam a vida de onde haviam parado. Não sem antes se desinfetarem e tocarem o pranto dos santos.
Até que um dia, um e outro se deram conta de que o intervalo entre os choros estendia-se mais do que habitual. Foi difícil falar sobre o assunto: era assustadora a ideia de que colocar em palavras o que estavam pensando concretizaria mais um episódio de desvairamento. Coincidentemente, porém, dirigiram-se um a um à casa da mulher mais ou menos no mesmo horário. Depois de um tempo tão longo sem sua presença, colocaram um véu na memória, quase esquecendo porque se apavoravam tanto diante de seu vulto. Vai ver o cheiro nem era tão ruim assim. Vai ver não havia um motivo realmente forte para evitarem os arredores de sua moradia.
Foi quando alguém girou a maçaneta e abriu a porta. Não houve tempo de fazer muita coisa. A multidão ensaiou uma fuga. Inútil. A cidade afogou-se em um mar de lágrimas. A água latrinária, asquerosa, ensebada, infectada entrou em todas as casas e devastou todos os templos. Sobrou apenas a podridão, e dela ninguém se salvou.